O Iluminismo não é o inimigo

Jonah Goldberg lançou um novo livro defendendo o legado “liberal” – isto é, pró-liberdade – do Iluminismo, o despertar filosófico do séc. XVIII. Tal defesa é certamente necessária frente à rejeição total do Iluminismo por parte de intelectuais do mainstream.  Não obstante, tal fato exige que outros pensadores de direita aceitem sua visão com respeito ao Iluminismo, e não está sendo fácil. Muitos conservadores negligenciam o Iluminismo e estão prestes a entregar o seu legado aos intelectuais anti-iluministas da esquerda.

John Davidson, meu colega no Federalist, resume a visão de Goldberg com respeito ao Iluminismo:

Goldberg chama a emergência da ordem liberal de “o Milagre”, dado que não podemos explicar precisamente por que ela surgiu 300 anos atrás. Dada a evolução histórica, diz ele, o progresso material dos últimos três séculos não é natural: “o estado natural da humanidade é a pobreza extrema, somada à violência terrível e, por fim, uma morte prematura.”

Mas algo ocorreu, perturbando o estado natural da humanidade. “Em torno do ano de 1700, em algum lugar do continente eurasiano, a humanidade teve contato com uma nova forma de organizar a sociedade e pensar o mundo”, escreve Goldberg. “Foi como se grande parte da humanidade tivesse atravessado um portal para um mundo diferente.”

Davidson, então, oferece essa crítica:

Sim, esse “Milagre” nos deu capitalismo e democracia, mas também hiperindividualismo, cientificismo e comunismo; liberdade e sufrágio universal, mas também aborto, eutanásia e transgenerismo. Em outras palavras, a abolição do homem [uma referência às críticas de C.S. Lewis) foi inserida no Iluminismo, e o suicídio do Ocidente de que Goldberg nos alerta não é, de fato, um suicídio, pois não envolve uma escolha: não estamos cometendo suicídio, mas sim morrendo de causas naturais.

É uma grande proeza o Iluminismo gerar hiperindividualismo e comunismo, mas falarei disso mais adiante. Davidson procede afirmando que “as várias ideologias iliberais que resultaram do pensamento iluminista (como o comunismo)” é a “consequência natural do cientificismo hiperracional embutido na própria ordem liberal”. Ele cita outra resenha de Richard M. Reinsch II: “se você coloca o Iluminismo como padrão da excelência humana, o qual está sendo perdido, você também deve apoiar a dialética que ele introduz de exaltação da razão, do poder e da ciência, a qual pode se tornar muito iliberal.” Reinsch conclui que “o pensamento cientificista dos comunistas” não pode ser “extirpado do projeto iluminista moderno”.

Parabéns aos envolvidos: vocês transferiram toda a autoridade moral e intelectual do Iluminismo para os comunistas, um feito que eles nunca poderiam ter conseguido por suas próprias forças.

Esse é o grande erro do conservadorismo americano, seu “pecado original”. Em uma tentativa de reafirmar o papel da religião na sociedade americana, eles concederam à esquerda o status de defensora da razão e liberdade, e os esquerdistas como verdadeiros herdeiros do Iluminismo.

Isso é particularmente terrível, pois o Iluminismo carrega uma grande dose de autoridade moral e intelectual – reputação essa que obteve a duras penas através de suas realizações na melhora da condição humana. Não deveria ser necessário repetir que o escopo de seu avanço é tanto material quanto espiritual: explosão universal de riqueza inigualável na história; avanços científicos que dobraram a expectativa de vida humana e melhoraram a qualidade de vida; florescimento da liberdade política e intelectual; conquista da alfabetização quase universal, sem nada similar na história; expansão de instituições de ensino, pesquisa e cultura – e, sim, mesmo hoje – do tempo livre para desfrutar os resultados; decréscimo nos níveis de violência nas sociedades; e, finalmente, após o banho de sangue do totalitarismo do séc. XX, uma queda acentuada em conflitos e mortes correlatas. E esses são apenas alguns benefícios…

É possível apontar problemas no mundo atual, mas eles parecem pateticamente menores se comparados aos avanços supracitados. A melhor resposta é buscar entender como ele ocorreu, como pode ser preservado e estendido, e não desqualifica-lo como algum tipo de falso paraíso. A pior resposta é conceder tal legado aos seus inimigos mortais.

Eu não sei como Goldberg trata disso em seu livro, mas não precisamos dele para nos ensinar sobre as realizações do Iluminismo, e como os pensadores iluministas ajudaram a criar os pilares da civilização que hoje buscamos defender.

Historiadores debatem esse tipo de coisa: no início do Iluminismo, ninguém anunciou “esse é o Iluminismo”, e o termo não foi utilizado na língua inglesa até muito depois de seu fim – mas eu dataria o seu início em 1689. O Principia Mathematica de Isaac Newton, uma revolução no entendimento científico do mundo natural, foi publicado em 1687. Em 1689, John Locke, grande amigo de Newton, publicou Dois Tratados de Governo, o qual lançou as bases da teoria política dos direitos individuais e o consentimento dos governados. Um amigo de Locke também publicou sua Carta acerta da tolerância, em que argumentava em prol da liberdade e de credo. Eu dataria o fim do Iluminismo em torno de 1789. Até aí, Thomas Jefferson já tinha escrito a Declaração da Independência e Adam Smith, A riqueza das nações, bem como James Watt tinha inventado o motor a vapor. Esses eventos ajudaram a estabelecer os legados-chave do Iluminismo: o governo representativo, o livre mercado e a Revolução Industrial. Dessas realizações surgem todas as melhorias radicais na condição humana dos últimos 200 anos.

Contra isso, os críticos do Iluminismo têm – o quê? A Revolução Francesa. Essa é a segunda razão por que adoto o ano de 1789 como o fim do Iluminismo. Esse ano marca a ratificação da Constituição Americana e a Queda da Bastilha, eventos que definiriam os melhores e piores resultados/consequências daquela era: liberdade e prosperidade, de um lado; terror e guerra, do outro.

Contudo, adotar a Revolução Francesa como um exemplo dos males do Iluminismo enfrenta um grande problema. Jean-Jacques Rousseau foi o filósofo mais influente entre os revolucionários franceses, em especial, sobre a facção “A Montanha” dos Jacobinos, assim chamada porque esses ocupavam os assentos mais elevados à extrema esquerda da câmara legislativa francesa – tornando-os os primeiros “esquerdistas”.

Rousseau foi um homem do Iluminismo em termos cronológicos, pois viveu na metade do século XVIII. Contudo, ele é quase sempre considerado um crítico do Iluminismo. Ele fez o seu nome em 1750 com seu Discurso sobre as artes e as ciências. Essa foi a contribuição de Rousseau para um concurso de ensaios que buscava respostas para a questão: “a restauração das ciências e das artes” – ou seja, o Renascimento – “contribuiu para a purificação moral?” Ele respondeu com um retumbante “não”. Seu argumento era que o homem estava melhor como um “nobre selvagem” vivendo em tribos, e que a civilização corrompia os homens, piorando sua vida.

Então, se você busca alguém para representar o que Reinsch descreve como a “exaltação de razão e […] ciência”, talvez, escolha Newton – mas Jean-Jacques Rousseau não é o seu homem. É revelador que, na literatura, Rousseau seja considerado um precursor do Romanticismo, com sua ênfase em subjetividade e emocionalismo, em total oposição à racionalidade do Iluminismo. Ironicamente, a crítica dos românticos ao Iluminismo – em um resumo, que “a dependência excessiva na razão…negligenciando o papel da história, do mito, da fé e da tradição para manter a sociedade unida” – é refletida nas críticas direcionadas ao Iluminismo de parte dos conservadores atuais.

Na política, o efeito das ideias de Rousseau – veja uma ótima entrevista de sua influência sobre Robespierre e outros montanheses – foi rejeitar a teoria dos direitos individuais de Locke em favor do ideal coletivista da “vontade geral”, com a qual todo mundo deve ser forçado a concordar. “Quem se recusar a obedecer a vontade geral deveria ser coagido a fazê-lo por toda a sociedade; o que significa, em poucas palavras, que ele deve ser forçado a ser livre.” Essa é a raiz do “progressista” do século XX que tenta nos vender a coerção disfarçada de liberdade.

Então, chegamos aos comunistas, e leia o que Rousseau tinha a dizer:

O primeiro homem que, havendo cercado um pedaço de terra, disse “isso é meu”, e encontrou pessoas tolas o suficiente para acreditarem nas suas palavras, este homem foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassínios, de quantos horrores e misérias não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando os marcos, ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrem-se de escutar esse impostor; pois estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!

Então, sim, o comunismo e outras doutrinas desastrosas tiveram raízes no século XVIII (e antes). Mas a sua principal fonte foi uma crítica ao Iluminismo, pois ele estava em discordância com as realizações intelectuais dominantes daquela era.

As origens filosóficas e políticas da esquerda estão em sua revolta contra o Iluminismo e suas realizações. Elas rejeitaram a liberdade, os direitos individuais, o individualismo e a racionalidade – e qualquer pessoa que crê que o comunismo é “científico” deveria pensar que nenhum movimento científico conduziria dois séculos de “experimentos”, vendo todos falharem e, ainda assim, se recusaria teimosamente a aceitar os resultados. Sem dúvida, existem alguns na esquerda que ainda tentam roubar o prestígio do Iluminismo, identificando-se como “progressistas” e “partidários da ciência” – e eles sempre encontrarão um terreno fértil na ingenuidade filosófica dos conservadores para ajudá-los a perpetrar tal fraude. Mas por que as doutrinas de Rousseau, e não as ideias de Locke e Jefferson, deveriam representar o “Iluminismo” nas mentes da direita?

O Iluminismo não é perfeito. Ele sofreu de confusões, erros e omissões filosóficas, pontos fracos que facilitaram dois séculos de críticas vindas tanto da direita como da esquerda. Precisamos trabalhar para entender as bases das realizações do Iluminismo, fortalecendo-as e melhorando-as. Mas, antes de mais nada, deveríamos ser gratos a um movimento intelectual que fez tanto pela humanidade.

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Publicado originalmente em The Federalist.

Traduzido por Matheus Pacini.

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